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Operação Capitu: investigadores suspeitam de crime eleitoral




Os responsáveis pela Operação Capitu suspeitam que alguns dos políticos por ela investigados praticaram crime eleitoral. Essa possibilidade foi levantada na sexta-feira (9), em entrevista coletiva concedida por integrantes da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal em Belo Horizonte.

Ministério da Agricultura (Valter Campanato/Agência Brasil)
Operação investigou esquema de propina no Ministério da Agricultura para beneficiar políticos – Arquivo/Agência Brasil

O caso envolve um esquema de arrecadação de propina dentro do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para beneficiar políticos do MDB, que teriam recebido dinheiro da JBS, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, em troca de medidas para beneficiar as empresas do grupo.

Ao perseguir os ilícitos tributários envolvendo a JBS e uma “grande rede de supermercados” com a qual tinha negócios, os investigadores encontraram indícios de que “essa rede não fazia todos os pagamentos para frigoríficos, mas uma triangulação para dar aparência de legalidade [aos ilícitos praticados]”, disse o superintendente da Receita Federal em Belo Horizonte, Mario Dehon, ao afirmar que os frigoríficos ligados ao grupo estariam usando “dinheiro não lícito” para fazer “repasses a agentes políticos”.

Diante dessa constatação, Dehon disse que a Operação Capitu está “prestes a provar [a prática de] crime eleitoral”, mas que isso só será investigado pelas autoridades competentes, de acordo com o cargo ocupado pelos políticos investigados.

A fim de evitar prejuízos à investigação, nenhum dos nomes dos investigados foi informado.

Segundo o coordenador da investigação, delegado Mário Veloso, da PF, R$ 30 milhões foram usados pela empresa de proteína animal para financiar ilegalmente a campanha “de um candidato à presidência da Câmara dos Deputados em 2014”.

Esse dinheiro teria sido redistribuído dentro da bancada do PMDB mineiro. Dos R$ 30 milhões, R$ 15 milhões teriam sido destinados a um deputado e, depois, repassados aos seis escritórios de advocacia usados como intermediários para que o dinheiro chegasse aos destinatários finais.“Parte dos R$ 15 milhões foi distribuída [pela JBS] a seis escritórios de advocacia entre 2013 e 2015’, explicou o delegado.

“Em 2017, a Operação Lava Jato chegava perto desse esquema, quando um desses advogados procurou um lobista da empresa, pedindo a produção de documentos que dessem aparência de legalidade aos valores. A partir disso foi produzido um contrato para cada empresa. Os contratos foram confeccionados e assinados, inclusive tendo sido apreendidos na operação de hoje”, acrescentou Veloso.

De acordo com o delegado, os contratos foram feitos com o objetivo de dar “aparência de veracidade à falsa prestação de serviços de advocacia”, o que já configura lavagem de dinheiro. Dos seis mandados de prisão expedidos contra advogados desses escritórios, só um não foi cumprido: é contra um advogado da cidade mineira de Uberaba que atua em São Paulo. “Como não foi encontrado, ele já é considerado foragido”, disse o delegado.

Mapa

Um dos advogados presos nesta sexta-feira era operador direto de um servidor do Ministério da Agricultura que teria sido indicado por um deputado federal investigado. De acordo com a PF, esse funcionário já está preso.

Entre os atos de ofício suspeitos praticados pelos servidores do ministério há expedição de atos normativos, determinando a regulamentação da exportação de despojos; a proibição do uso da ivermectina de longa duração; e a federalização das inspeções de frigoríficos.

“Um funcionário teria recebido milhões em propina para ajudar o grupo criminoso no que se refere à regulação de partes do gado bovino não consumido no mercado externo, mas apreciado no mercado asiático. Com a ajuda desse servidor, empresas de menor porte foram prejudicadas, favorecendo a concentração desse mercado”, informou Veloso.

Além disso, R$ 5 milhões teriam sido pagos pela proibição do uso da ivermectina de longa duração, também como forma de concentrar mercado, prejudicando empresas de menor porte. Ainda segundo a PF, um deputado federal recebeu R$ 50 mil “como contrapartida, em decorrência da tentativa de promover a federalização das inspeções sanitárias de frigoríficos por meio de uma emenda”.

Colaboradores

Em meio às várias frentes investigativas, a PF começou a suspeitar de que alguns colaboradores estariam omitindo informações relevantes, o que poderia caracterizar crime de obstrução de justiça. “Havia omissões graves e contradições por parte dos colaboradores, provavelmente na tentativa de perpetuar a atuação no ministério”, disse o delegado federal.

“Eles omitiram informações de que as empresas teriam ocultado e destruído parte do material probatório. Há inclusive indícios de que foram destruídas provas no gabinete de um lobista. Outras provas foram escondidas. Ao omitir essas informações, eles prejudicaram a qualidade da colaboração”, acrescentou Veloso.

Após a entrevista concedida por servidores da Receita e da PF, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) divulgou uma lista com os nomes das pessoas que foram alvo dos mandados de prisão temporária e preventiva.

O documento informa, ainda, a “imposição de medidas cautelares diversas da prisão” ao investigado João Lúcio Magalhães Bifânio (suspensão do exercício do mandato de deputado estadual e proibição de acesso ou frequência a lugares ou contato com pessoas envolvidas nos fatos investigados).

Veja a lista divulgada pelo TRF1

Foram expedidos mandados de prisão temporária contra o ex-ministro da Agricultura, ex-deputado federal e atual vice-governador de Minas Gerais, Antônio Eustáquio Andrade Ferreira; Neri Geller; Marcelo Pires Pinheiro e Fernando Manuel Pires Pinheiro.

Os mandados de prisão preventiva tiveram como alvo o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Consentino Cunha (MDB-RJ); Ildeu da Cunha Pereira; Mateus de Moura Lima Gomes; Mauro Luiz Rodrigues de Souza Araújo; José Francisco Franco da Silva Oliveira; Cláudio Soares Donato; Odo Adão Filho; Waldir Rocha Pena; Walter Santana Arantes; Joesley Mendonça Batista; Rodrigo José Pereira Leite Figueiredo; Ricardo Saud; Demilton Antonio de Castro e Florisvaldo Caetano de Oliveira.

Nota do vice-governador

Em nota, a defesa de Antônio Andrade informa que se manifestará assim que tomar conhecimento do inquérito. “Durante o depoimento, Antônio Andrade respondeu [a] tudo o que lhe foi perguntado e colaborou com o trabalho da Polícia Federal”, diz a nota divulgada pelos defensores do vice-governador de Minas Gerais.

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