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Sua série favorita foi cancelada no Netflix? Entenda o motivo




Nos últimos meses, tem sido cada vez mais normal notícias sobre o cancelamento de séries da Netflix. No final do ano passado, o serviço de streaming confirmou o cancelamento de todas as suas séries feitas em parceria com a Marvel, e esta semana foi a vez da criticamente aclamada One Day at a Time ser cancelada pelo serviço de streaming. E, ainda que os temas fossem bem diferentes, todas elas tinham algo em comum: foram canceladas com apenas três (ou menos) temporadas.

Outro ponto em todas essas séries é o fato de que, mesmo que elas possuam um fandom fiel que poderia ser aproveitado por outro canal, nenhuma delas tem chances de ser “salva” (comprada por outro canal, que passa a assumir os custos de produção e distribuição), ainda que a própria Netflix seja conhecida por “salvar” séries canceladas em canais de TV aberta, como já ocorreu com Lucifer e Designated Survivor.

Ainda que não seja possível dizer com absoluta certeza quais são os motivos para o cancelamento de uma série, pois isso é o tipo de informação que apenas os executivos de programação da Netflix sabem (e eles não costumam partilhar nada sobre esses assuntos), é possível apontar que um dos prováveis motivos para esses cancelamentos é o modelo de contrato de produção utilizado pela Netflix.

Durante décadas, mesmo séries que não eram hits absolutos costumavam ter uma “vida útil” de pelo menos quatro ou cinco anos na TV, e muito disso se devia ao tipo de contrato fechado com as produtoras: como os custos de produção só eram pagos após as gravações, as produtoras normalmente operavam sem lucro (ou até no prejuízo) durante praticamente toda a primeira e, muitas vezes, a segunda temporada, passando a gerar lucros reais apenas na terceira ou quarta temporada, quando já possuía uma base de fãs estabelecida e começava a gerar interesse da compra dos direitos de transmissão em emissoras de outros países.

Mas, de acordo com as produtoras que trabalham com a Netflix, o contrato padrão para o serviço de streaming é bem diferente: ao contrário do que costuma acontecer na TV aberta, a Netflix não apenas paga antecipadamente todos os custos de produção, como ainda garante um “bônus” baseado nesses custos desde a primeira temporada da série, independentemente de resultados. Isso quer dizer que, se a série for bem-sucedida ou não, a produtora não apenas tem coberto todos os seus custos de produção como ainda recebe uma valor bônus de até 30% do custo total da série. Isso é bom para a produtora, pois garante que o estúdio terá lucro, não importando o que aconteça. Essa porcentagem de “bônus” pela produção é aumentada a cada temporada — principalmente quando a série chega na terceira, quando o valor pode saltar para até mais de 50%.

Esse “bônus” é garantido pela Netflix pelo fato de que é o serviço de streaming, e não a produtora da série, que lucra com a venda de direitos de transmissão para outros países e em emissoras de TV (aberta ou a cabo), além de propagandas veiculadas durante os programas. Assim, como todas as possibilidades de lucros com negociações do conteúdo ficam no bolso da Netflix, a empresa garante lucro para as produtoras independentemente do sucesso ou não da série. Isso acaba sendo bom para as produtoras, que podem apostar em mais conteúdos diferentes, já que terão sempre a certeza de lucro, e bom para a Netflix, que utiliza a sua influência para ficar com todo o risco — e os grandes lucros — existente em qualquer negociação de conteúdo para a TV.

E é a natureza desses contratos que tem feito a Netflix cancelar tantos conteúdos que não dão o retorno esperado. De acordo com as produtoras, mesmo que a série criada não tenha tanta audiência, mas tenha recebido um bom retorno da crítica, já é o suficiente para a Netflix garantir uma segunda temporada (como aconteceu com Amigos da Faculdade), mas se o conteúdo continua tendo uma performance abaixo das expectativas, então ele é prontamente cancelado pela plataforma de streaming.

Isso acontece porque, como o principal objetivo da Netflix é aumentar o número de assinantes sem perder os atuais, investir em novidades é uma estratégia que tem dado certo. Por isso, ao invés de manter séries “mais ou menos” (que não dão lucro, mas também não dão prejuízo) no catálogo, é mais interessante para a companhia cortar essas produções e investir o dinheiro na produção de novas, pois uma novidade no catálogo atrai mais assinantes novos do que a manutenção de algo que não é um hit.

E também é exatamente por causa desses contratos “diferenciados” que as séries canceladas pela Netflix não são “resgatadas” por outros canais. Isso porque, para proteger o seu catálogo — afinal, é a exclusividade de acesso a diversos conteúdos que faz com que os assinantes atuais da Netflix se interessem por manter suas assinaturas — esses contratos possuem cláusulas de exclusividade que, em alguns casos, impedem qualquer série cancelada pela Netflix de ser comprada, produzida e/ou transmitida por um concorrente.

Essas proteções são diferentes dependendo do interessado: elas podem durar apenas alguns meses quando o interessado por reviver um conteúdo cancelado é um canal de TV aberto (e, por isso, há grandes chances de a CBS reviver One Day at a Time), mas esse mesmo período de proteção pode ser de quase uma década quando o interessado pelo resgate é outro serviço de streaming — e por isso que é praticamente nula a chance de séries como Demolidor, Justiceiro e Jessica Jones serem resgatadas pelo Disney+, ainda que a Disney já tenha revelado o interesse em investir em séries de super-heróis da Marvel.

One Day at a Time e as séries da Marvel são os exemplos mais recentes/famosos, mas há diversos outros casos de séries da Netflix canceladas após a segunda ou terceira temporada, como a já citada Amigos da Faculdade, Love, Bloodline e Hemlock Grove. Enquanto é comum que séries da TV aberta cheguem a seis ou sete temporadas, nos conteúdos atuais da Netflix o único ainda não cancelado que alcançou essa marca é Grace & Frankie. Além de ser uma comédia altamente premiada — o mínimo considerado pela Netflix para se manter um show por tanto tempo —, a série ainda é uma criação de Marta Kauffman, uma das criadoras de Friends e uma das principais responsáveis pela Netflix conseguir manter toda a série dos anos 90 (que é um de seus conteúdos mais assistidos) em seu catálogo, mesmo com praticamente todos os outros serviços de streaming do mundo interessados em adquirir os direitos sobre ela.

Outro motivo citado para o cancelamento rápido dessas produções são as descobertas feitas pelos próprios algoritmos da Netflix, que têm percebido que os usuários respondem melhor a conteúdos mais curtos — diminuindo não apenas a duração em temporadas de suas séries, mas também o número de episódios. Enquanto antes era normal encomendar temporadas de treze episódios, é cada vez mais comum os conteúdos produzidos pela Netflix nos últimos anos terem apenas dez ou até mesmo oito episódios.

E esses cancelamentos não são exclusivos da Netflix, mas uma tendência em todos os serviços de streaming. No Amazon Prime, que hoje é provavelmente o segundo maior serviço de streaming de vídeos do mundo, apenas as séries Transparent e Bosch ultrapassaram a marca de quatro temporadas no serviço, que também tem investido pesado em produções próprias, como na parceria com o escritor Neil Gaiman e na produção de uma série baseado em O Senhor dos Anéis.

Por isso, essa é uma tendência que provavelmente se manterá nos próximos anos, onde o episódio 100 deixará de ser a marca de uma produção de sucesso, e mesmo séries adoradas pelo público dificilmente chegarão aos 50 episódios. Afinal, em um mundo em constante mudança, o fator novidade ainda é o que mais chama atenção em serviços como a Netflix.

Fonte: Canaltech

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