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Crítica | Meu Nome é Dolemite

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Reprodução

O nome da nova produção Netflix é Meu Nome é Dolemite. No original, chama-se Dolemite Is My Name – no traduzido, Dolemite É o Meu Nome. Tudo normal, certo?

Calma lá, jovem! Justo que ambas indicam e significam a mesma ideia, mas definitivamente não são a mesma coisa. Certamente, depois de assistir a esta deliciosa e incandescente comédia estrelada por ninguém menos que Eddie Murphy entenderá o porquê. Já que Dolemite – assim como seu intérprete Rudy Ray Moore – não é do tipo de deixar que qualquer um tome a sua frente. Não, mesmo! Em seu núcleo e aparência, é um imperativo dominante, de fato.

O diretor Craig Brewer, junto de Murphy, nos introduzirá à história de vida do comediante, músico, cantor, ator e produtor de filmes Rudy Ray Moore. Uma estrela para a comunidade negra na América dos anos 70. Logo após – depois de muita luta – , conseguir alcançar algum sucesso com seus álbuns cômicos interpretando o articulado cafetão Dolemite, que fazia rimas abarrotadas de profanidades, palavrões e ofensas, o empreendedor Moore almejava mais, muito mais. Agora, queria brilhar nas grandes telas do cinema pelo mundo todo, tornando-se um dos maiores símbolos do fenômeno de obras blaxploitation da década, servindo até como farol para a música negra americana.

Definitivamente, é uma tarefa das mais complicadas saber por onde começar para tentar exprimir o que é esta obra encabeçada pelo elétrico Craig Brewer, que já tinha dois acertos incontestáveis em sua filmografia: o drama Ritmo de um Sonho (2005) e o remake do clássico Footloose – Ritmo Contagiante (2011), que modernizou com entusiasmo o longa estrelado por Kevin Bacon nos anos 80 para as novas gerações. A julgar pelos títulos citados, percebe-se que a música é item essencial na carreira cinematográfica de Brewer. Mais que isso! Dado que o cineasta mostra com afeto e contagiante vivacidade o que a música significa para ele, assim como possivelmente, aos assinantes Netflix.

Neste sentido, Meu Nome é Dolemite é igualzinho a outros longas da carreira do diretor. Amém!

Pois, lembremos, que o subgênero blaxploitation foi um dos berços da ascensão da música negra americana, especialmente funk e a soul music. Craig Brewer praticamente nos arremessa neste pedaço do nosso passado tão cheio de cores e estilo, balançando ao som do contrabaixo marcado desse gênero musical. Talvez, só aí, o cineasta já teria feito o mínimo suficiente para nos deixar sorrindo de orelha a orelha, como por exemplo, Meia-Noite em Paris de Woody Allen o fez. Mas, não! Esta produção Netflix não se contenta com pouco.

Aliado a uma atmosfera setentista inebriante, vem um roteiro escrito a quatro mãos, por Scott Alexander e Larry Karaszewski, que possui uma atenção e cuidado com detalhes que rondam nossa atual realidade de transformações sociais. Visto que a produção do longa-metragem Dolemite, lançado em 1975, contava não apenas com a ajuda de seus amigos mais próximos – que não possuíam conhecimentos técnicos de produção – , mas também com alguns jovens estudantes de cinema, hipnotizados pelo carisma, dedicação e respeito de Rudy Ray Moore, dispostos a qualquer custo para fazer a magia acontecer.

Outro detalhe notável em Meu Nome é Dolemite vem através de D’Urville Martin, personagem interpretado por Wesley Snipes. Bem engraçado e cheio de afetações, este personagem representa o afrodescendente que está se distanciando de sua etnia – praticamente um Kanye West. Presunçoso, apesar de ter feito apenas uma ponta em O Bebê de Rosemary de Roman Polanski, Martin “dirige” a produção a contragosto, acreditando ser superior a tudo aquilo que vê, uma erva daninha.

Craig Brewer fez muito mais além da performance qualificada de Snipes. Na prática, todo seu elenco apresentou fluente sinergia aliada a uma paixão pela história, que torna impossível ao espectador Netflix não torcer para Rudy Ray Moore e sua trupe. Especialmente, por seu maior astro.

De peito estufado, pode-se afirmar com clareza: Meu Nome é Dolemite é o melhor trabalho de Eddie Murphy neste século! Desde Dreamgirls (2006) – treze anos atrás – não se via algo tão contundente e vibrante por parte do ator, quando ao lado de Jennifer Hudson foram capazes de ofuscar (até) a rainha Beyoncé.

À parte o filme de Bill Condon, vale lembrar que os outros projetos de Murphy neste século são quase que inteiramente, fracos, ou até lastimáveis. Veja a lista: Sou Espião, Pluto Nash, Showtime, Norbit – Uma Comédia de Peso, O Grande Dave, As Mil Palavras, e mais uma porrada de infelicidades.

Neste período, tão pobre da carreira de Eddie Murphy, seu trabalho de maior destaque vem exclusivamente de sua voz, com o hilário (!) Burro na série de filmes de animação Shrek.

Murphy está longe do auge vivido em eras passadas, de produções noventistas como Dr. Dolittle – que ganhará uma nova versão com Robert Downey Jr. em 2020 – e O Professor Aloprado – remake do clássico de 1963 dirigido e estrelado por Jerry Lewis. E, ainda mais distante da era de ouro dos anos 80, quando atuou em Um Príncipe em Nova York (1988) – em produção para uma sequência ano que vem, também pelas mãos de Craig Brewer – e Um Tira da Pesada (1984), provavelmente, o melhor filme da filmografia da grande estrela cômica.

Saborosamente curioso testemunhar Eddie Murphy, um fenômeno e referência no humor – ainda mais para os comediantes afrodescendentes – estrelar esta produção Netflix contando a trajetória de vida de Rudy Ray Moore, que também era um transgressor de mão cheia nos palcos, discos e salas de cinema. Um verdadeiro exemplo do chamado politicamente incorreto, que ironicamente, abraça os tempos atuais com grande sensibilidade e de forma cabal, ainda sendo capaz de alçar a importância da representatividade nas artes visuais.

Aquele momento mágico onde alternativo e convencional se encontram de frente no mesmo patamar.

Meu Nome é Dolemite em sua mescla de Artista do Desastre encontra Cine Holliúdy 2A Chibata Sideral conseguiu não apenas tirar Eli do trono de melhor produção do mês na Netflix. A obra de Craig Brewer é dos melhores filmes produzidos no ano. E, nos agraciou com o retorno do rei … melhor dizendo, do Príncipe Eddie Murphy.

Fonte: Observatório do Cinema

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