Comportamento

Quanto vale o amor de uma mãe por um filho especial?




Quanto vale o amor de uma mãe por um filho especial? No caso de Gisele Cristina da Cruz, de 38 anos, isso não se mede em dinheiro, mas em dedicação e tempo. Ela é mãe do pequeno Enzo, de seis anos, que foi diagnosticado com autismo quando tinha um ano e seis meses. Desde então, a moradora do Jardim Ingá, cidade goiana do entorno de Brasília, leva o filho ao fonoaudiólogo e ao fisioterapeuta toda semana. Segundo ela, assim que veio o diagnóstico de autismo do filho, veio junto o término de seu casamento. Gisele passou a cuidar da criança com o apoio da família.

“Minha vida é única e exclusivamente para ele. Eu tive que abrir mão do meu trabalho, e aí hoje eu conto com o apoio da minha família, que me dá o suporte para eu poder criá-lo. Ser mãe do Enzo é a melhor coisa mesmo que me aconteceu. E eu aprendo muito! Eu aprendo muito com ele! Cada dia que passa, eu aprendo cada vez mais”, conta Gisele.

Mesmo diante de todas as dificuldades, Gisele mostra que o amor de mãe supera qualquer barreira. Ela tira seu sustento fazendo faxina, vendendo comida congelada e, de vez em quando, faz alguns trabalhos pontuais em um buffet. Ainda assim, ela faz questão de afirmar que se pudesse voltar no tempo, escolheria novamente ser mãe do pequeno Enzo.

Quem também passou a conviver com o autismo dentro de casa foi a Emanoele Freitas, mãe de Eros, adolescente de 15 anos que tem o transtorno. A moradora de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, é escritora e neurocientista. Por conta da condição do filho, fundou e preside a Associação de Apoio à Pessoa Autista, entidade que tem como finalidade o tratamento, a assistência, a reabilitação, a formação e a inserção educacional e social de pessoas com autismo.

Eros lutou pela vida antes mesmo de nascer. Ainda na barriga da mãe, teve um acidente vascular cerebral (AVC). Por conta do diagnóstico tardio – o laudo completo só chegou quando já tinha sete anos de idade – e de outras comorbidades, o adolescente sofre do autismo nível 3, grau mais severo do transtorno. Emanoele conta que hoje Eros se comunica bem melhor, mas ressalta que ainda está aprendendo a educar um adolescente autista.

“Ele foi meu grande aprendizado. Eu tive que aprender tudo isso para poder ajudar ele, me ajudar e ajudar outras famílias, porque eu via que não era só o autismo. Ele tinha outras patologias que prejudicavam o desenvolvimento dele. A gente está na segunda etapa, como eu costumo falar para as pessoas, e a gente está tendo que aprender, dia a dia, essa nova realidade de ter um adolescente autista em casa”, relata.

O transtorno ganha espaço na agenda pública nesta terça-feira (2), data em que é lembrado o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo. A condição, chamada de transtorno do espectro autista, compromete as habilidades de comunicação e interação social, geralmente tem início na infância e persiste durante a adolescência e vida adulta.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 70 milhões de pessoas no mundo têm autismo, sendo dois milhões apenas aqui no Brasil. A OMS estima que uma em cada 88 crianças apresenta traços de autismo, com prevalência cinco vezes maior em meninos, como nos casos de Enzo e Eros.

Segundo o pediatra e neurologista infantil Clay Brites, o autismo é um transtorno de desenvolvimento que afeta em torno de 1% das crianças e apresenta três características principais.

“Ela não sabe utilizar gestos, ela não sabe utilizar palavras, frases, usar os termos que normalmente a gente usa para se referir às coisas da vida social. A criança apresenta alguns comportamentos extremamente repetitivos, interesses extremamente restritos, que fazem com que ela não consiga direcionar a sua atenção para outras situações sociais que está exigindo um engajamento dela”, explica.

Ele esclarece que, com o passar do tempo, a criança tem dificuldades para realizar atividades sociais, atividades comunicativas, acadêmicas, além de problemas relacionados à parte motora, espacial e sensorial. De acordo com o neurologista, pelo fato do transtorno do espectro autista aparecer, geralmente, nos três primeiros anos de vida, é essencial que o diagnóstico seja feito precocemente, ou seja, antes de 2 anos de idade.

Falta de dados oficiais

A Lei 12.764, de 2012, criou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e reconheceu o autismo como deficiência para todos os efeitos legais.

O problema é que, segundo o texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), para que sejam elaboradas e efetuadas ações e políticas efetivas, é preciso saber quantos são e onde estão os brasileiros com transtorno autista e quais são as necessidades deles. Ou seja, a falta de números oficiais dificulta o cumprimento da norma. Segundo o relator na CCJ da Câmara, deputado Ricardo Izar, do PP de São Paulo, essas informações são fundamentais.

“A gente tem estatísticas que mostram que daqui 10 anos toda família vai ter um indivíduo autista. Então, a gente tem que criar políticas públicas no Brasil para atender essa população. Um projeto foi aprovado no ano passado na CCJ, eu fui o relator; ele trata exatamente disso: de incluir nas pesquisas do IBGE, no censo, para a gente poder ter ideia de qual é a população autista no Brasil. Isso é muito importante para, a partir daí, poder aplicar políticas públicas”, defende.

Na última semana foi lançada, na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista. O grupo, que é composto por mais de 200 congressistas, tem como coordenador o deputado Célio Studart, do PV do Ceará.

“É com muita alegria, com muita felicidade e responsabilidade, que a gente inicia essa frente parlamentar em defesa dos direitos das pessoas com transtorno do espectro autista. A inclusão, o respeito, o amor e a busca e a luta pelos direitos, é possível transformar vidas. E é isso que nós temos no coração e em mente”, afirmou o parlamentar no dia do lançamento do grupo.

Um dos objetivos da frente parlamentar é reunir recursos, por meio de seminários, audiências públicas e trabalhos técnicos, para atualizar o ordenamento jurídico brasileiro e proteger os direitos das pessoas com autismo. O grupo também pretende contribuir para proporcionar atendimento adequado na utilização de serviços, públicos e privados, de saúde e educação.

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