Sustentabilidade & Meio Ambiente

Desmatamento na Amazônia Diminui em 50% enquanto Eleva 43% no Cerrado em 2023: Uma Perspectiva Ambiental Desafiadora




Imagem de stokpic por Pixabay

 

Dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados nesta última sexta-feira (5), mostram que em 2023 foram perdidos 5.151,6 km² de floresta amazônica, o que representa uma redução de 50% em comparação com o ano anterior. Já no cerrado, a taxa de desmatamento foi de 7.828,2 km², um aumento de 43%.

No total, a perda de vegetação nos dois biomas durante o ano foi de 12.979,8 km², uma queda de quase 18% em relação a 2022, quando a taxa foi de 15.740,5 km². A área desmatada nas duas regiões no último ano equivale a mais de oito vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

No cerrado, esse índice é o maior para o período de janeiro a dezembro desde 2019, que foi o primeiro ano completo da série histórica do Deter. Embora os registros do sistema tenham começado em 2018, a medição do desmatamento geralmente é feita de agosto a julho, levando em consideração as variações causadas pelas estações de chuva e seca.

Na Amazônia, a taxa de desmatamento é a mais baixa desde 2018, quando foram registrados 4.951,4 km² de desmate na região.

Pela primeira vez em cinco anos, a área desmatada no cerrado, que ocupa aproximadamente 24% do território brasileiro, foi maior do que na Amazônia, que cobre cerca de metade do país.

O sistema Deter mapeia e emite alertas de desmatamento com o objetivo de orientar as ações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e outros órgãos de fiscalização. Os resultados representam um alerta precoce, mas não são os dados finais sobre o desmatamento.

Os números oficiais são obtidos por meio de outro sistema do Inpe, o Prodes, que é mais preciso e divulgado anualmente.

Na Amazônia, os estados com maior registro de desmatamento foram Pará, com 1.902,5 km², Mato Grosso, com 1.408,2 km², e Amazonas, com 894,4 km². Esses estados também são líderes históricos de desmate na região.

No cerrado, a maior perda de vegetação ocorreu novamente na região conhecida como Matopiba, que engloba Maranhão (1.765,1 km²), Bahia (1.727,8 km²), Tocantins (1.604,4 km²) e Piauí (824,5 km²). Essa área abriga simultaneamente uma nova fronteira agrícola e a porção mais preservada do cerrado.

Devido ao calendário de divulgação do Deter, os dados para 2023 publicados até agora vão apenas até o dia 29 de dezembro. No mês de dezembro, o desmatamento na Amazônia foi de 174,9 km², e no cerrado atingiu 454,5 km².

A queda no índice de desmatamento na Amazônia, que aumentou durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro, é considerada uma grande conquista na área ambiental do governo Lula. Logo no início de sua gestão, o presidente restabeleceu o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), que serve como base para as medidas de combate ao crime ambiental na região.

Criado em 2004, durante o primeiro mandato de Marina Silva como ministra do Meio Ambiente, o plano passou por uma atualização em junho de 2023, estabelecendo diferentes estratégias de ação e a meta de alcançar o desmatamento zero na Amazônia até 2030.

O desmatamento na Amazônia funciona muito com base nas expectativas, afirma Tasso Azevedo, coordenador geral do Mapbiomas, rede que mapeia o uso da terra no Brasil. Se a probabilidade de ser pego e sofrer consequências pelo crime for baixa, o desmatamento aumenta. Por outro lado, se a probabilidade de ser pego for alta, o desmatamento diminui. Isso ocorre porque mais de 95% dos casos de desmate na região são ilegais.

Segundo Azevedo, três fatores são importantes para determinar a tendência do desmatamento: se o desmate será detectado e relatado, se haverá consequências e se será possível obter lucro com a destruição da floresta.

Embora atualmente existam 11 sistemas de detecção de desmatamento em todo o Brasil, até recentemente havia apenas detecção, sem relatórios sobre o desmatamento, explica Azevedo.

Até 2018, eram feitos cerca de mil relatórios por ano, e aproximadamente 150 mil casos de desmatamento eram detectados no Brasil. Desde 2019, quando iniciamos o Mapbiomas Alerta, geramos 2.000 relatórios por semana. Esse é apenas o primeiro passo.

Esses relatórios são públicos, mas sua existência por si só não é suficiente, explica Azevedo. É necessário dar um próximo passo: que os infratores sofram sanções, como multas ou embargos.

Nos últimos anos, essa segunda parte estava totalmente fragmentada. Não havia recursos para realizar ações, os embargos remotos foram cancelados e as multas precisavam passar por câmaras de conciliação dentro do Ministério do Meio Ambiente, que simplesmente não as realizava. Isso criava uma situação em que os desmatadores sabiam que não teriam nenhuma consequência. No entanto, isso mudou significativamente este ano (2023), aponta Azevedo.

Dados do Ibama mostram que, de janeiro a novembro de 2023, somente na região amazônica foram emitidos 5.652 autos de infração contra a flora, instaurados 3.932 embargos e aplicadas multas totalizando R$ 3,01 bilhões.

Em comparação com a média registrada no governo Bolsonaro, esses números representam um aumento de 114%, 73% e 67%, respectivamente.

Também houve um aumento de 72% nas apreensões, totalizando 2.302 casos, e um aumento de 153% nas ações de destruição de equipamentos usados no desmate, totalizando 606 casos. Ao todo, foram embargados 7.700 km² devido ao desmatamento ilegal.

Um terceiro fator importante é não conseguir se beneficiar do desmatamento, afirma o pesquisador. Esse é o terceiro pilar que avançou bastante este ano.

O setor financeiro, principalmente os bancos, passaram a não aprovar e suspender créditos não apenas para quem já possui um embargo, mas também passaram a avaliar se o proprietário possui ou não histórico de desmatamento. Se não for possível provar que o desmatamento foi legal, o crédito é cancelado, explica Azevedo.

Embora essa estratégia tenha sido bem-sucedida na Amazônia, replicar esses bons resultados no cerrado é mais difícil.

Em primeiro lugar, cerca de 54,3% da Amazônia são áreas protegidas, como unidades de conservação e terras indígenas. Já no cerrado, apenas cerca de 12% estão em alguma área de conservação ou terra indígena, enquanto as propriedades privadas ocupam 67%, segundo dados do Mapbiomas.

O cerrado possui um baixo índice de áreas protegidas, portanto, é necessário aumentar significativamente essas áreas, assim como aconteceu na Amazônia a partir de 2022, opina Azevedo.

Além disso, mesmo nas propriedades privadas há uma diferença na legislação. De acordo com o Código Florestal, é possível desmatar até 80% da área no cerrado (ou até 65% em algumas áreas de transição para a floresta amazônica), enquanto na Amazônia o limite é de 20%.

Isso dá uma sensação de maior segurança para quem deseja desmatar o cerrado – seja para expandir áreas agrícolas e pecuárias ou para especulação imobiliária -, já que é possível criar uma aparência de legalidade em situações irregulares.

No entanto, é preciso questionar se grande parte desse desmatamento realmente pode ser considerado legal. Será que essas propriedades são realmente privadas e possuem registro?, questiona Ane Alencar, geógrafa e diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Para isso, utilizamos o Cadastro Ambiental Rural (CAR), mas ele não é uma ferramenta fundiária, é um registro ambiental. Ele indica que pode haver uma propriedade privada ali, mas é um registro voluntário, então alguém pode dizer que possui aquela propriedade, mas não tem registro oficial, diz a pesquisadora.

Além disso, há uma falta de fiscalização para verificar se as licenças de desmatamento concedidas em nível estadual e municipal estão sendo aplicadas corretamente. Muitos desses locais concederam licenças até certo ponto, mas os proprietários vão além e desmatam em áreas de reserva legal, exemplifica Alencar.

Ela também aponta que a combinação desses fatores com a aprovação da legislação europeia que restringe a importação de produtos relacionados ao desmatamento, mas não inclui as formações não florestais (que compõem a maioria do cerrado), resultou nos recordes atuais.

Ficou muito claro para investidores e para aqueles envolvidos no desmatamento que o cerrado é um lugar que pode ser considerado legalmente mais seguro para desmatar, afirma Alencar.

Não podemos desistir do cerrado. Precisamos investigar profundamente o status da regularização fundiária e dessas licenças para entender se a governança ambiental está funcionando e se está sendo eficaz na redução do desmatamento, conclui.

De acordo com o Ibama, de janeiro a novembro de 2023, foram aplicados no cerrado 959 autos de infração contra a flora, instaurados 582 embargos e aplicadas multas totalizando R$ 250,2 milhões. Esses números representam aumentos de 45%, 49% e 74%, respectivamente, em relação à média das ações ocorridas de 2019 a 2022. Também foram realizadas 586 apreensões e 122 destruições de equipamentos usados no desmate.

Em novembro, o Ministério do Meio Ambiente lançou o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado (PPCerrado), que também tem a meta de alcançar o desmatamento zero no bioma até 2030.

Segundo o ministério, uma das ações do plano que já está em andamento é a revisão da norma de crédito rural, com restrição ao acesso a financiamentos para quem for embargado por desmatamento ilegal no cerrado.

O governo federal está buscando fortalecer as condições e o monitoramento das autorizações para supressão de vegetação concedidas pelos estados. Também está trabalhando em parceria com os estados para facilitar a identificação de possíveis falhas na concessão dessas autorizações e corrigi-las, informou o Ministério do Meio Ambiente em nota.

O desmatamento é a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa no Brasil. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), elaborado pelo Observatório do Clima, o setor de mudança no uso da terra (principalmente o desmatamento) representou 48% das emissões brutas brasileiras em 2022, ou seja, 1,12 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente.

Deste total, 75% das emissões foram provenientes do desmatamento na Amazônia, que teve áreas maiores devastadas e libera mais carbono devido ao tipo de formação florestal. Em seguida, o cerrado contribuiu com 14% das emissões.

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