Cultura

ArtRio discute novos públicos e práticas do colecionismo de arte




Tânia Rêgo/Agência Brasil

Comprar e colecionar obras de arte não são, no mundo atual, práticas de classes socioeconômicas restritas. É o que afirmam organizares, expositores, artistas e pesquisadores que participam da Feira de Arte do Rio de Janeiro (ArtRio). O evento, que chega à sua nona edição e se tornou referência do mercado de arte contemporânea da América Latina, começou nessa quarta-feira (18) e vai até domingo (22) na Marina da Glória, zona sul da capital.

“Estamos em um momento onde os grandes patrocinadores investem menos na cultura. Então, o público em geral e os colecionadores estão sendo, verdadeiramente, patrocinadores das artes visuais”, diz Brenda Valansi, presidente da ArtRio. A expectativa, segundo ela, é que cerca de 50 mil pessoas transitem pela feira ao longo dos cinco dias.

Para ter acesso ao evento, o ingresso custa R$ 60, sendo R$ 30 para quem tem direito à meia-entrada, conforme a legislação. O público encontrará, em um um mesmo local, obras de mestres reconhecidos e de novos artistas. Galerias já estabelecidas no circuito mercadológico da arte dividem atenção com galerias jovens.

Os preços dos trabalhos variam e podem ser consultados também pela internet, na plataforma artrio.com . “Às vezes você quer só fazer uma pesquisa de valores e na feira fica constrangido de perguntar. Na plataforma, estão todos os valores. E muitas pessoas acham que é impossível comprar arte, exatamente porque pensam que não têm condições financeiras. Mas quando elas veem os valores, percebem que podem sim. E há cada vez mais jovens no mercado”, destaca Brenda.

A pluralidade dos perfis de colecionadores no Brasil é atestada por Nei Vargas, pesquisador e doutorando em artes visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele participará de debate, nesta sexta-feira (20), sobre as práticas de colecionismo, quando apresentará análises preliminares de um estudo que está em desenvolvimento com o apoio do Instituto de Cultura Contemporânea (Icco), entidade sediada em São Paulo. Vargas já entrevistou mais de 70 colecionadores em 18 estados. Ele pretende chegar a 90.

“Colecionismo no Brasil é muito mais expressivo do que se pode imaginar. Eu tenho entrevistado colecionadores que são assalariados e que, dentro das suas condições, têm importantes coleções. São importantes para o mercado da arte. Há também muitos jovens entrando para o colecionismo com novos olhares. Veem como uma construção de patrimônio, mas também como um investimento. E não acho que cabe ter preconceito. É uma tendência. As pessoas compram o que elas gostam, mas também o que elas sabem que a longo prazo vai se valorizar. E a arte, nos principais centros do mundo, está sendo debatida como investimento”, disse.

De acordo com o pesquisador, esse olhar não é uma surpresa, já que a arte se desenvolveu atrelada ao capitalismo. “Vale destacar que continuam existindo os que compram pensando em construir patrimônio. Tem de tudo. Olhar para o colecionismo no Brasil é olhar para a diversidade social e cultural do país. Vemos, por exemplo, o empresariamento de algumas coleções. Ao mesmo tempo, o colecionismo amador se desenvolve paralelamente a uma prática mais profissionalizada”.

Novos públicos

A percepção de que novos públicos estão se formando no mercado da arte também é compartilhada por Felipe Masini de Oliveira, sócio da Galeria Athena, que expõe pela oitava vez na ArtRio. “É falsa a sensação de que mercado de arte é para quem tem muito dinheiro, para quem é muito intelectual para entender os trabalhos. E não é assim. As pessoas são capazes de apreciar, de manifestar suas preferências. E comprar é uma consequência. O mais importante é estimular a formação cultural. Permitir que as pessoas frequentem esses espaços, conheçam, se interessem. E se, a partir daí, ela vai querer comprar, já é em outro momento” afirma.

Para Felipe, a arte contemporânea brasileira está mais sólida e madura, e o mercado também se desenvolve paralelamente, apostando na profissionalização. “Saímos de modelos que pareciam estabelecidos. Estamos pensando novas formas de gestão. A arte tem sido vista não apenas como produto de compra e venda, mas com potencial de causar impacto em nosso entorno”, acrescenta.

Artistas acompanham essa percepção e veem as feiras como importantes vetores na atração de novos agentes para o mercado. “A feira tem importância múltipla. Além de viabilizar a possibilidade da venda de um trabalho, ela favorece a formação de novos públicos e também fomenta relações institucionais. A partir de uma feira, determinada instituição toma conhecimento do seu trabalho e, a partir dali, estabelece interesse por ele”, avalia Vanderlei Lopes, artista paranaense radicado em São Paulo.

“Isso é importante porque a formação do mercado brasileiro é algo muito recente e ainda vai se desenvolver. Pelo menos um mercado mais robusto. A partir dos anos 1980 é que isso começa a se desenhar, ainda de forma tímida. Nos anos 2000, se torna mais forte. Inclusive alguns artistas que já eram conhecidos passaram a ser mais vistos e revistos como Mira Schendel, Helio Oitica, Lygia Clark e outros”, diz Vanderlei.

Mineiro de Tiradentes e atualmente morador da capital alemã Berlim, o escultor Matheus Rocha Pitta alerta porém que a feira não substitui o museu. A maior visibilidade do artista ocorre nos museus. Não podemos esquecer disso. E é preciso mais políticas públicas em um momento onde muitos museus estão ameaçando fechar no Brasil. Não vejo isso ocorrendo na Alemanha”.

Produção nacional

Para Nei Vargas, feiras como a ArtRio são oportunidades para ver o que as galerias estão trazendo e que não é fácil de encontrar no mercado. Além disso, elas favorecem o dinamismo no mercado da arte e estão deixando cada vez mais de ser um ambiente estritamente comercial, para se tornar também um espaço voltado a trocas culturais e para se discutir questões da arte. De outro lado, ele avalia que a arte legitimada pelo Rio e por São Paulo, mais presente nesses espaços, muitas vezes não dialoga com a produção nacional de forma mais ampla.

“Há toda uma produção fora do eixo Rio-São Paulo que é expressiva e importante, que não chega até aqui. Fica concentrada em suas regiões. Então, por exemplo, você vai obter a compreensão da arte do Pará na casa dos colecionadores de lá. E vai muito além dos poucos artistas paraenses que são reconhecidos aqui no Rio e em São Paulo. Há muita produção. O Brasil é uma país que tem uma riqueza cultural fabulosa. A gente poderia estar ganhando toneladas de dinheiro com turismo qualificado e com a nossa arte. Isso não ocorre muitas vezes devido a uma política que limita esse potencial”, afirma o pesquisador.

Buscando enfrentar a questão, a ArtRio criou o programa Brasil Contemporâneo e reservou 12 estandes para galerias que trouxessem trabalhos de outras regiões do país. A Galeria Karandash, de Maceió, ocupa um desses espaços trazendo obras em madeira de um artista alagoano e dois sergipanos. “Viemos pela primeira vez. Ajuda a dar visibilidade para artistas que vivem em locais mais afastados da Região Sudeste. A iniciativa é boa, embora o custo seja alto, principalmente para pequenas galerias como a nossa”, diz Dalton Costa Neves, um dos proprietários da iniciativa.

Colecionador ativo

A pesquisa de Nei Vargas revela como a coleção tem sido capaz de posicionar a pessoa socialmente. “A prática de agrupar obras resulta na ativação da pessoa dentro do seu ambiente social, da sua comunidade. O colecionador é um agente social que vai dinamizar uma gama de relações sociais, profissionais e intelectuais a partir do desejo de juntar obras. Chega um determinado momento em que não é mais possível ficar confinado dentro do seu ambiente privado”.

Segundo Vargas, o colecionador é uma pessoa ativa e não só adquire obras, mas apoia artistas, frequenta espaços culturais, passa a dar entrevistas porque ganha visibilidade, participa de debates e pode assumir funções em instituições culturais. “São variadas formas de atuação social disparadas pela fato de a pessoa estar juntando obras durante sua vida”..

A pesquisa mostra ainda que a consciência de si mesmo como colecionador se constrói ao longo do tempo. “Dos mais de 70 entrevistados, houve apenas um caso em que a pessoa tomou uma decisão concreta e racional de virar colecionador e fez uma lista dos artistas que queria adquirir. É uma exceção. Em geral, a consciência do colecionador se forma aos poucos e se transforma conforme vai levando a sua vida”.

Fonte: Agência Brasil

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