Futebol

Neymar, Tite e racismo no futebol: um papo exclusivo com César Sampaio, novo auxiliar da Seleção




Neymar, Tite e racismo no futebol: um papo exclusivo com César Sampaio, novo auxiliar da Seleção - 1

​A fala mansa e o jeito sereno de conversar é um contraste do tamanho da responsabilidade que vem pela frente. No fim de outubro, ​César Sampaio foi oficializado como auxiliar fixo da Seleção Brasileira num anúncio até certo ponto surpreendente. O ex-volante já havia trabalhado junto à CBF como auxiliar pontual e sempre esteve envolvido em trabalhos de gerência, só que mais nos bastidores (foi gerente no Palmeiras, no Joinville, Figueirense, dentre outros), até que veio a oportunidade. Em bate-papo exclusivo com a reportagem do 90min às vésperas do “​Jogo da Paz“, em Israel, César explicou como se deu a transição e falou de diversos outros assuntos do momento. Confiram abaixo o resultado da conversa…


Convite de Tite

Tite

 

“Eu acho que, para você ser um gestor, você tem que ter uma competência multidisciplinar. Então desde que parei de jogar, eu fiz faculdade na área de gestão, sempre me preparei para ser um gestor. Também fiz as competências acessórias, por assim dizer. Eu fiz análise de desempenho, preparação física, as licenças “B” e “A” e estou fazendo a licença Pro da CBF. E foi na licença Pro que a gente coincidiu com o Tite, na mesma sala. Eu tinha (e tenho ainda) uma série de questionamentos, discuti bastante com ele alguns pontos de vista e, com a saída do Sylvinho pro Lyon e também do Edu Gaspar (pro Arsenal), ele vinha buscando alguém pra essa lacuna e acabou me convidando. Eu não tinha em mente ir para o campo, não, estava mais focado na área de gestão. Mas o modelo de gestão da comissão técnica e de preparação do Tite é algo que me encantou muito e, por isso, eu decidi aceitar o convite.”


Possibilidade de ser treinador

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“Quanto a ser treinador, não me preparei com esse objetivo. Eu fui convencido e impactado pela maneira de gestão do Tite, estou muito feliz com ele e acho que já estou como um treinador. Já tenho as graduações e estou habilitado para este serviço. Para dizer que estou apto a assumir algum clube, eu acho que ainda preciso amadurecer um pouco e creio que nada melhor do que a Seleção. Tem sido uma experiência maravilhosa e além disso a gente traz todo o DNA de uma geração vencedora, de um momento diferente de envolvimento com o futebol. Não que hoje esteja errado, mas que a gente espera é passar nossas experiências pros atletas novos e contribuir bastante para esses dois próximos amistosos (Coreia do Sul e Argentina) e também para as Eliminatórias, que é a primeira meta a ser batida​.”


Neymar

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“​Eu convivi quinze dias com ele só, então ainda não tenho um diagnóstico. Ele é um cara fantástico, carismático, muito diferente do que a gente em geral lê por aí. No dia a dia, ele é bem tranquilo. Estando próximo dele, não tem nada a ver com o que eu lia e o que era vendido sobre o ​Neymar. Ele teve alguns problemas sérios com as lesões, vem no processo de recuperação e infelizmente teve uma reincidência, em um outro músculo, nada atrelado à lesão anterior, e estando clinicamente e fisicamente bem é um cara acima da média, um jogador fora do normal. Quando à vida particular do Neymar, a fofoca no português claro, eu não me sinto no direito de me posicionar por que ainda não tive a liberdade de conversar com ele ainda e acho que não seria justo tirar um diagnóstico. Mas a gente vem trabalhando sim para a reabilitação. Eu falo da comissão técnica e o departamento médico, o coordenador científico, a preparação física…é uma integração para que possa recuperá-lo.”


Líderes da atual Seleção

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“Querendo ou não, o Neymar já é uma referência para os meninos. Mas, pelo pouco que eu vi, ele não tem estilo e característica de liderança, de líder. Ele não é um Dunga, esse cara que tem essa personalidade. Do que eu observei, o Thiago Silva, o Casemiro, são eles os mais líderes, que têm mais este perfil, esse estilo de liderança. Porém é um momento bom para eu entender o todo, de como eu posso vir a contribuir. Mais do que qualquer coisa, nós não temos nenhuma competência que venha a inibir o próximo, apenas competências que venham a agregar. Eu particularmente quero tentar contribuir para criar um ambiente onde quem não sabe, ou quem não entende com alguma dúvida, tenha toda liberdade para expor o seu problema, o seu ponto de interrogação e sair para o campo com aquilo muito bem equacionado. Então, quando isso acontecer, a gente vai estar muito mais próximo dos jogadores pra tirar o melhor deles e principalmente quanto ao engajamento. Futebol se joga com tática, coordenação científica, análise de desempenho, mas principalmente com alma. Se você não tiver alma, pode esquecer.”


Racismo

Cesar Sampaio

 

“A gente lê bastante e acompanha algumas coisas. Vou falar de três pessoas, que são contemporâneos até. A primeira é o Mauro Silva, que está fazendo um trabalho exemplar na Federação Paulista de Futebol. A segunda é o Fabinho, chefe de departamento de scouting do ​Flamengo e vem fazendo um trabalho bem legal. E mais um negro que eu queria destacar está na Série B, o Hemerson Maria, um treinador que eu admiro muito e que está realizando um trabalho bem legal no Botafogo-SP. Já sofri racismo, preconceito. A gente tem uma sociedade desequilibrada, os números não mentem, contra fatos não existem argumentos. Eu não gosto de me posicionar contra uma causa, a favor disso ou contra aquilo, mas acho que para as mulheres e os negros, falando da sociedade brasileira, as coisas são um pouco mais difíceis. Porém a gente está vivendo um momento no mundo em que, até pelas minhas filhas eu tenho visto isso, a competência vem sobressaindo em relação a determinados estereótipos.”


Futebol como instrumento social

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Hoje também estou como presidente de um clube de formação (o Comercial Futebol Clube de Tietê), em que a gente usa o esporte como ferramenta de inclusão. Nós trabalhamos mais para aqueles que não dão certo do que para aqueles que dão certo. A gente quer o esporte como uma ferramenta educacional, temos uma parceria com a Espro, de ensino profissionalizante, em que temos quase duas mil empresas cadastradas. Então os meninos que acabam não sendo aproveitados no futebol, a gente ajuda a construir o plano de carreira deles. Hoje temos quatro profissionais do próprio clube que foram formados por nós. Antes eles iam para as empresas, agora nós mesmos também estamos aproveitando a capacidade desses meninos. Isso pra mim é o mais gratificante. Eu vim de um projeto social como este, acho que o esporte é subaproveitado. Um cara que faz um gol no Maracanã domingo e vai numa escola pública na segunda-feira passar esses valores pode mudar muita coisa, impactar de forma direta nossa sociedade. Essa é a minha razão de existir.​”

Fonte: 90min

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