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Ziraldo | O adeus ao super-herói brasileiro dos quadrinhos




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Menino Maluquinho foi a primeira obra conectada aos quadrinhos brasileiros que li na vida, quando ainda era bem pequeno, na biblioteca da Escola Municipal Neman Sahyun, em Londrina. Embora já lesse HQs de super-heróis desde a primeira memória que tenho na vida, aquelas palavras e cartuns eram muito mais próximos da realidade, e, mesmo uma criança como eu era na época, conseguia compreender e me relacionar com o tema sobre o respeito às diferenças — vale lembrar que a primeira edição foi lançada em 1980.

Fiquei fascinado por aquelas cores e formatos, tão diferentes dos gibis de heróis que eu lia. Os personagens, as situações e os ambientes eram tão familiares, com cores impossíveis de ignorar. A narrativa foi precisamente executada para tornar a complexa genialidade de Ziraldo em algo fácil de entender — mesmo com os flertes das artes plásticas e as referências que convidam também os adultos a lerem.

Logo me apaixonei por aquele livro, até que pedi para minha mãe comprar um só para mim. Coincidentemente, Ziraldo passou por Londrina para assinar os livros no Calçadão, em frente à Praça da Bandeira. Fiquei tão ansioso quando soube que esperneei até conseguir que meu irmão mais velho me levasse até o artista.


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Nunca vou esquecer daquele dia, eu tremia na fila, e fiquei muito emocionado quando vi o cara que fez aquele livro que eu lia todo dia. Conheci meu primeiro super-herói brasileiro, o primeiro artista de quadrinhos que tive contato na vida, quando ainda tinha seis ou sete anos. Fiquei tão encantado que ele viu minhas lágrimas caindo e me deu um abraço.

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Márcia Martins ao lado do marido Ziraldo, em evento de 2010 (Imagem: Wikipedia Creative Commons/Ivone Perez)

Neste final de semana, as lágrimas caíram novamente, e quem agora dá um abraço nele sou eu, para um adeus com o privilégio de conhecer Ziraldo e crescer acompanhando outro tipos de quadrinhos, outra comunidade de artistas além dos que eu lia do mercado norte-americano. Ler a Revista Bundas e aprender sobre a geração dessa galera me fez querer saber tudo sobre as artes gráficas que estavam pertinho de mim e não sabia — lembre-se que nesse tempo não tinha internet.

Ziraldo foi uma das razões por eu confirmar minha paixão pelos quadrinhos, e, acima de tudo, foi quem me mostrou que brasileiros também podiam fazer seu próprio “gibi”. Ele ajudou a me inspirar a criar as minhas próprias histórias e revistas. E seu legado com certeza vai arrancar muitas lágrimas de crianças felizes e risadas de adultos tristes.

Ziraldo nos deixou aos 91 anos

Segundo a filha do cartunista, Daniela Thomas, Ziraldo teve falência múltipla dos órgãos na tarde de sábado (6), aos 91 anos. Inicialmente, sua morte foi noticiada como “natural”, contudo, a família ainda aguarda a confirmação da causa oficial. Segundo o UOL, Daniela disse que “ele simplesmente parou de respirar.

Antes de nos deixar no sábado, Ziraldo já vinha sofrendo com a saúde abalada após ficar seis anos de cama como consequência de um AVC em 2018. Na ocasião, ele ficou 28 dias no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, na zona sul do Rio. Daniela disse que nos últimos tempos, o artista passou a apresentar muita fraqueza e febre.

Vale lembrar ainda que, quando Ziraldo sofreu um AVC em 2018, o artista já começava a apresentar desgaste em sua saúde de um fumante de mais de 40 anos de tragadas cancerígenas. Em 2013 ele teve um infarto leve em Frankfurt, na Alemanha, e precisou passar por cateterismo.

Ziraldo, natural de Caratinga, em Minas Gerais, já mostrava sua inclinação natural para os desenhos desde pequeno. Aos 30 anos, em 1957, ele estreou com sucesso sua coluna gráfica no jornal Folha da Manhã, que viria a se tornar a Folha de S. Paulo. Depois, repetiu o feito em O Cruzeiro e no Jornal do Brasil.

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Ziraldo sempre foi atencioso com as crianças, inclusive quando eu fui uma delas buscando seu autrógrafo em Londrina (Imagem: Reprodução/Wikipedia Creative Commons/OS2Warp)

Com a Turma do Pererê, Ziraldo lançou em 1960 a primeira revista brasileira feita por um só autor, assim como a estreia de uma HQ a cores totalmente produzida no Brasil. Ziraldo era muito ativo na comunidade artística fluminense e era um dos mentores de publicações que traziam críticas gráficas sarcásticas e sofisticadas, com O Pasquim e Revista Bundas.

Ziraldo também teve uma bela carreira internacional, com seus trabalhos impressos na icônica revista MAD nos Estados Unidos, na Private Eye na Inglaterra e na Piexus na França.

O artista teve um velório aberto na Associação Brasileira de Imprensa, na manhã deste domingo (7), onde ele também foi enterrado, no Cemitério São João Batista. Adeus, Ziraldo, obrigado por trazer obras fundamentais quanto O Menino Maluquinho, que era tão fascinante na mente de uma criança criativa que dava vontade de ter um amigo: um personagem que não cabia no coração de um artista e saiu formigando pelos braços até se tornar traços leves, divertidos e inspiradores, na forma de um menino… maluquinho.

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Fonte: Canaltech

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