Ciência & Tecnologia

Brasileiros lutam para apagar passado no Fotolog, ancestral do Instagram




Quando alguém começou a distribuir fotos da adolescência de Fernando (nome fictício), de 25 anos, entre a família de sua namorada, ele sabia que isso estava longe de ser apenas uma brincadeira.

Morador de uma capital nordestina, o jovem é transexual e aparece nas imagens, publicadas na internet, com a aparência que tinha antes de iniciar seu processo de transição para o gênero masculino – ou seja, ainda como uma menina. E foi assim, dessa maneira nada sutil, que seu sogro soube de sua condição.

Desde então, Fernando tenta remover essas imagens e evitar que voltem a ser usadas para constrangê-lo. O problema é que elas estão postadas em um perfil que ele criou em 2006 no Fotolog, rede social febre na década passada que, praticamente abandonada, hoje impede seus usuários de acessarem e apagarem suas postagens.

“Qualquer pessoa que saiba meu nome de registro pode chegar a essas fotos”, disse Fernando à BBC Brasil. Seu caso não é único: na internet, pipocam relatos semelhantes.

Carolina (nome fictício), de 27 anos, vive no coração do país e não teve uma experiência traumática como a do rapaz. Mas, ao tentar acessar seu perfil para tirar do ar fotos hoje indesejadas, se deparou com a mesma dificuldade.

“Alguém pode encontrar essas imagens, e eu não quero. Eu era adolescente… não quero mais isso exposto na internet.”

Sucesso e derrocada

Nos dias de hoje, ostentação virtual é viajar até um destino badalado, fazer uma selfie usando o novo iPhone da vez, e em poucos segundos, compartilhá-la no Instagram em busca de curtidas e elogios – não sem antes aplicar um belo filtro, é claro.

Se voltarmos no tempo, a moda dez anos atrás era sacar uma máquina fotográfica Sony Cybershot, fazer o registro e sair em busca da lan house mais próxima para postá-lo no Fotolog.

A premissa era novidade: um serviço de blog em que cada postagem tinha uma imagem como grande estrela, muitas vezes acompanhadas de longos textos.

No Brasil, chegou a alçar pessoas à fama. Com o sucesso de suas selfies – sim, selfies – no Fotolog, a hoje apresentadora de TV MariMoon, por exemplo, se tornou uma das primeiras celebridades da internet no país: passou a ser garota-propaganda de marcas e foi contratada pela antiga MTV, onde trabalhou por anos.

“Foi quando eu ganhei a minha primeira câmera. E foi a primeira vez que consegui olhar melhor pra mim mesma de outros ângulos e explorar minha autoestima”, lembra a apresentadora, que criou seu perfil em 2003 e parou de atualizá-lo em 2011.

Para ela, a plataforma não soube evoluir. “A internet mudou muito desde o seu início e quem não está dando conta de acompanhar está sendo literalmente atropelado pela concorrência. Podiam ter feito um aplicativo, por exemplo, antes do Instagram.”

Parado no tempo, o site mantém congeladas fotos que muitas pessoas nem lembram que existem. Ainda propagandeia seu app, retirado há tempos das lojas da Apple e do Google. Seu “Sobre nós” exibe promissores dados de 2008.

Restam alguns poucos usuários ativos, são passageiros de uma espécie de nave espacial desgovernada no universo da internet.

Queixas

Quem se lembrou de suas fotos – e correu para apagá-las – se deparou com um abacaxi. O problema descrito pela maioria é que o serviço de recuperação de senha do site não funciona. Ele deveria, após a informação do nome do usuário, enviar um e-mail com um link permitindo criar uma nova, o que simplesmente não acontece mais.

Alguns, a exemplo de Carolina, têm mais um problema: em meados da década passada, era comum uma só pessoa criar várias contas de e-mail em diferentes provedores de internet. Com isso, há quem não lembre qual endereço eletrônico cadastrou no Fotolog ou tenha desativado justamente aquele que foi utilizado.

No site Reclame Aqui, que reúne queixas sobre produtos e serviços, as citações à plataforma têm crescido nos últimos meses, todas sem resposta. Também há relatos em outros fóruns virtuais e no Facebook.

A BBC Brasil fez um teste e tentou entrar em contato com a administração do site pelo serviço “Fale Conosco”. Todas os e-mails ficaram sem resposta, a exemplo do que Fernando havia relatado: “É como se não existisse ninguém que olhasse essas mensagens”.

Quem é o pai?

Nascido em 2002 em Nova York, o Fotolog foi vendido em 2007 ao grupo francês Hi-Media, da área de publicidade e pagamentos digitais. O plano era claro: tornar o serviço rentável, desafio de dez entre dez plataformas semelhantes à época.

A empresa se gabava de que o site era um dos 20 mais visitados em todo o mundo e brigava pelo topo entre as redes sociais em países como Chile, Argentina e Espanha. O negócio foi fechado por respeitáveis US$ 90 milhões (em valores da época), pagos em dinheiro e em ações da compradora francesa.

Nos dias atuais, porém, encontrar os responsáveis não foi tarefa fácil.

A Hi-Media ainda é apontada como a dona do Fotolog pelo próprio site, mas sua porta-voz disse não poder apontar uma solução para o problema porque, de acordo com ela, a empresa não é mais a proprietária. E não respondeu mais às mensagens da BBC Brasil.

Em um comunicado enviado à imprensa em dezembro passado, o grupo francês anunciou que “um empresário” adquiriu 51% do site – no balanço financeiro do primeiro semestre deste ano, diz ainda ter 49% do negócio. O endereço fotolog.com continua registrado sob o nome de um funcionário da empresa.

A BBC Brasil também procurou Scott Heiferman, fundador do site, para ver se ele tinha pistas. Mas o empreendedor da internet, que não posta nada em seu perfil desde 2008, um ano depois de deixar o negócio, não quis falar sobre o assunto. Disse apenas não manter “contato com ninguém sobre o Fotolog há anos”.

A reportagem levou três semanas para identificar esse novo e misterioso dono: o empresário francês Sven Lung, que tem vários negócios na internet. No Brasil, é dono do site Doutíssima, dedicado a saúde e bem-estar.

Por meio desse site, a BBC Brasil pediu para falar com Lung e enviou questões sobre o problema relatado pelos ex-usuários. Foi informada, porém, que o “Fotolog e o Doutíssima são empresas distintas”, e que deveria procurar a Hi-Media. Nenhuma das duas empresas respondeu às perguntas enviadas desde então.

Mãos atadas

“Quando uma empresa lança um serviço na internet, tem uma pretensão de que ele se mantenha por um longo período de tempo. É aí que esse caso do Fotolog se torna curioso”, avaliou Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, entidade que desenvolve projetos relacionados aos impactos da internet.

Segundo o especialista, os usuários podem entrar na Justiça pedindo a remoção de seus perfis, mas o processo tende a ser longo caso o Fotolog realmente não tenha representação no Brasil.

Nesse caso, afirmou Souza, o grande desafio será fazer com que a decisão seja cumprida lá fora. “O Brasil tem um acordo de cooperação judiciária com alguns países, e isso facilita, é um regime um pouco mais rápido. Mas só um pouco.”

Danilo Doneda, professor de Direito e especialista em proteção de dados virtuais, disse algo semelhante. “É um tipo de ação que é muito complicada, seja pelos altos custos, seja pelo tempo que tomaria ou mesmo pela segurança quanto à eficácia.”

Ou seja: para os usuários, o melhor caminho é que os responsáveis pelo site apontem uma saída.

Continua após a publicidade..