Ciência & Tecnologia

Indígenas e cientistas lutam para manter viva astronomia indígena




Ao longo de séculos, povos indígenas de todo mundo construíram um grande legado sobre o céu, utilizado como base para rituais religiosos, políticos, agricolas e de fertilidade.s populações nativas criaram seu próprio campo de estudo astronômico. Contudo, devido à dificuldade de repassar o conhecimento aos demais, esse saber corre o risco de se perder no Brasil. É o que alerta o professor, astrônomo e físico Germano Afonso, especializado em etnoastronomia.

Ele destaca como uma das causas a diminuição do interesse das novas gerações indígenas em relação ao conhecimento que os mais antigos mantém sobre o céu. “O índio é muito interessado pelo céu, afinal, eles olham para cima e veem a Terra como parte do reflexo do cosmos”, explica. Para a indígena Kerexu Yxapyry (Eunice Antunes), da Terra Indígena Morro dos Cavalos em Palhoça (SC), a transmissão das informações astronômicas depende muito do local em que os jovens estão. “Quando a criança é criada em uma aldeia, ela recebe o conhecimento e não esquece. Mas quando mora fora e veem apenas outros conteúdos didáticos, elas perdem essa parte, sim”, compara.

Kerexu é reconhecida em Santa Catarina como uma grande líder guarani pela regularização das terras indígenas. Em 2015, chegou a receber diversas ameaças devido a sua luta. Homenageada com a medalha Zumbi do Palmares pelo seu trabalho, ela é formada em Licenciatura intercultural indígeina e entregou recentemente seu cargo de cacica para trabalhar como técnica ambietal. Mesmo assim, continua a viver na aldeia e diz que continua a usar a astronomia em seu cotidiano. “Uso nas pinturas, nos símbolos, grafismos, artesanatos e, principalmente, nos rituais”.

Agenda celeste

Todo final de tarde, ela e outros indígenas tomam como base a Constelação do Cruzeiro do Sul como ponto de partida para seus rituais diários. Além de servir de guia para rituais, as constelações para os indígenas ajudam a identificar as estações do ano. Para os povos do sul do Brasil, a aparição da figura do Homem Velho marca o início do Verão. Diferente das constelações ocidentais, os povos indígenas utilizam tanto as manchas escuras quanto as estrelas para formar os desenhos das constelações no céu e sempre a associam com algum mito.

Constelação da EMA

Aparição da Constelação da Ema marca o início do inverno para os povos indígenas do sul do Brasil

Para Kerexu, a Ema é sua constelação favorita pelo simbolismo do que representa. “A Ema (Rhea) significa ave da sabedoria. A partir do conhecimento dela, podemos conhecer todas as outras constelações”, explica. Os povos indígenas utilizam as constelações, por exemplo, para calcular o melhor período do nascimento de uma criança, evitando que nasçam durante o inverno, quando a Constelação da Ema aparece no céu e anuncia as adversidades climáticas desse período.

De acordo com a pesquisa de Germano Afonso, existem mais de 100 constelações indígenas identificadas somente na família tupi-guarani. “Tudo que o índio faz tem uma aplicação. Eles tinham que ter uma agenda para se guiar, logo eles usavam e usam o céu para fazer as coisas na Terra”, conta. “As constelações servem, principalmente, como calendário agrícola. Afinal, a principal finalidade da Astronomia em geral foi para quando o homem deixou de ser nômade e precisou cultivar”.

O astrônomo reconhece que há muito preconceito no mundo científico em relação ao conhecimento indígena pelo fato deles não separarem a prática da religião. Em sua trajetória, Germano busca recriar relógios solares entre as comunidades indígenas e montar planetários intinerantes.

Astrônomo monta observatórios solares em comunidades indígenas

Astrônomo Germano Afonso monta observatórios solares em comunidades indígenas

O Sol para os indígenas é tido como Deus Maior e marca o início do ano-novo guarani. “Para nós, o ano-novo começa em setembro, quando é o início de tudo, quando o Sol se alinha com a Terra e nós trabalhamos com a semente para a agricultura”, afirma Kerexu.

Kerexu, que se tornou aliada em algumas ações do professor Germano, considera que o preconceito sobre a astronomia indígena se deve ao distanciamento da teoria da educação formal com a prática comum aos povos nativos. “Quando a gente quer entender alguma coisa, a gente aprende fazendo, testando. Se você estuda o mar, então vai no mar e mergulha no mar. Já a escola formal prende muito as crianças e não passa o verdadeiro conhecimento da vida”, questiona.

Para saber mais sobre o céu Tupi Guarani, confira o documentário dirigido pela documentarista Lara Velho e co-dirigido pelo professor Germano Afonso.

Continua após a publicidade..