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Constelações de satélites prejudicam observações astronômicas




Constelações de satélites prejudicam observações astronômicas, alerta a IAU - 1

Depois de denúncias diversas de que os primeiros lotes de satélites Starlink já estavam atrapalhando observações astronômicas feitas por meio de telescópios terrestres, agora quem se manifesta sobre o assunto é a União Astronômica Internacional (IAU) — que fez uma análise aprofundada da questão e compartilhou suas conclusões publicamente.

A IAU emitiu um primeiro alerta sobre a questão em junho do ano passado, logo depois que a SpaceX lançou os primeiros 60 satélites de internet de seu projeto. O órgão expressava sua preocupação quanto ao impacto negativo que essas constelações de satélites na órbita da Terra podem gerar na exploração espacial, que depende da escuridão do céu noturno para fazer observações terrestres. E como os satélites refletem luz solar, essa escuridão fica ameaçada. Agora, a IAU apresenta um resumo do entendimento atual desse impacto.

Para tal, foram feitas simulações de computador considerando 25 mil satélites, o que vai acabar acontecendo em breve, já que a SpaceX prevê um total de até 42 mil, enquanto a OneWeb vai lançar pelo menos 650 unidades (sendo que já lançou 40), e ainda é preciso considerar os planos da Amazon com seu projeto Kuiper (planejando pelo menos 3 mil satélites), bem como o Facebook com o projeto Athena (cujos lançamentos podem começar já no mês de março).


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Os resultados da simulação indicam que, com essa amostra, a quantidade de satélites acima da linha do horizonte a qualquer momento ficaria entre 1.500 e alguns milhares, dependendo da latitude. A maioria deles apareceria muito próximo do horizonte, com apenas alguns passando mais acima. “Cerca de 250 a 300 teriam uma elevação superior a 30 graus no horizonte; ou seja, onde o céu está livre de obstruções e onde a maioria das observações astronômicas é realizada”, diz a IAU.

Continuando, “quando o Sol está 18 graus abaixo do horizonte (ou seja, quando a noite fica escura), o número de satélites iluminados acima do horizonte seria de cerca de 1.000 (com cerca de 160 em altitudes superiores a 30 graus); os números diminuem ainda mais no meio da noite, quando mais satélites estão na sombra da Terra (sem luz solar refletida)”.

O que isso significa? Significa que “a aparência do céu noturno primitivo, principalmente quando observada em locais escuros, será, no entanto, alterada, porque os novos satélites podem ser significativamente mais brilhantes do que os objetos artificiais já existentes em órbita”. Contudo, ainda é difícil prever exatamente quantos satélites iluminados serão realmente visíveis, pois essa reflexividade ainda é algo um tanto quanto incerto. Afinal, não podemos desconsiderar que ao menos a SpaceX não está totalmente alheia à questão, já que está testando um revestimento escuro que, caso se mostre eficaz, reduzirá a reflexividade dos aparelhos, talvez resolvendo a questão.

Outra observação importante é a de que os “trens” de satélites que vêm sendo avistados no céu (como no vídeo acima) acabam sendo significativos apenas logo após o lançamento, enquanto ainda estão na fase de elevação da órbita e quando ficam consideravelmente mais brilhantes do que ficarão na altitude final. “O efeito global depende de quanto tempo os satélites estão nesta fase, e da frequência dos lançamentos”.

“Observações astronômicas serão severamente afetadas”

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Logo depois de a SpaceX lançar mais satélites Starlink em novembro de 2019, astrônomos do Observatório Interamericano de Cerro Tololo (CTIO) registraram como as poucas unidades já prejudicaram seus trabalhos. Cada uma das trilhas na imagem mostra a passagem de um satélite (Foto: NSF’s National Optical-Infrared Astronomy Research Laboratory/CTIO/AURA/DELVE)

Ainda assim, a IAU estima que as trilhas dos satélites acabarão ficando suficientemente brilhantes para “saturar detectores modernos em grandes telescópios” e, por isso, “as observações astronômicas de campo amplo serão severamente afetadas”.

Usando como exemplo observações a serem feitas no Observatório Vera Rubin, a estimativa é de que até 30% das imagens registradas 30 segundos durante o crepúsculo serão afetadas, pois a instalação conta com instrumentos com um campo de visão mais amplo. Por outro lado, os observatórios com campos de visão menores serão menos afetados, ainda que sintam algum impacto, também.

Há quem imagine que os efeitos negativos dos novos satélites poderiam ser amenizados ao prever suas órbitas com precisão, interrompendo temporariamente as observações durante o período de sua passagem. No entanto, “o grande número de trilhas pode criar sobrecargas significativas e complicadas para o agendamento e operação de observações astronômicas”, considerando que há pelo menos quatro empresas nessa empreitada, todas planejando lançar milhares ou até dezenas de milhares de satélites.

Impacto também na radioastronomia

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Quatro antenas do Atacama Large Millimeter Array (ALMA), rádio-observatório constituído por um conjunto de antenas no Chile (Foto: ESO)

Tudo o que falamos acima diz respeito às observações em comprimentos de onda ópticos, mas as constelações de satélites também representam risco às observações nos comprimentos de onda de rádio. Apesar de determinadas frequências de rádio, usadas para pesquisas espaciais por meio de radiotelescópios, serem protegidas por regulamentações federais nos Estados Unidos, tanto a SpaceX quanto a OneWeb podem transmitir, com seus satélites, sinais muito próximos de bandas usadas pela ciência, o que tem o potencial de gerar interferências capazes de colocar o trabalho dos astrônomos a perder.

Para a IAU, as constelações de satélites “exigirão o desvio de recursos humanos e financeiros da pesquisa básica para o estudo e implementação de medidas mitigadoras”. Em outras palavras, será preciso tirar mão de obra e dinheiro de pesquisas para financiar o estudo e a aplicação de soluções para o problema que essa imensidão de novos satélites está causando à radioastronomia.

A IAU ressalta que, a fim de impedir um cenário ainda mais complicado (e potencialmente trágico para a ciência), está colaborando com a Sociedade Astronômica Americana (AAS) e, juntas, continuarão promovendo discussões com agências espaciais e também com empresas privadas que planejam lançar e operar constelações de satélites daqui em diante, dando aquele respaldo oficial para ninguém dizer que “não sabia que o projeto causaria problemas”.

Vale observar, também, que “atualmente não existem regras ou diretrizes acordadas internacionalmente sobre o brilho de objetos orbitais feitos pelo Homem” e, “embora até agora este tópico não fosse considerado prioritário, ele está se tornando cada vez mais relevante”. A IAU participará de próximas reuniões do Comitê das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior (COPUOS) justamente para chamar a atenção de representantes de governos para as ameaças que essas iniciativas de conectividade representam à astronomia. O tema específico das constelações de satélites será incluído na reunião de outubro deste ano.

A IAU encerra seu alerta oficial enfatizando que “o progresso tecnológico só é possível com avanços paralelos no conhecimento científico”, citando como exemplo que “satélites não funcionariam e nem se comunicariam adequadamente sem contribuições essenciais da astronomia e da física”. Portanto, “é do interesse de todos preservar e apoiar o progresso da ciência fundamental” — o que inclui a astronomia.

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Fonte: Canaltech

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