Uma reportagem conjunta entre o jornal The Washington Post e o canal de televisão alemão ZDF revelou uma trama que parece saída diretamente de um filme de espiões: durante cerca de meio século, os Estados Unidos foram os donos secretos do que era considerado mundialmente como a melhor empresa de criptografia do mundo, e ele estava lucrando milhões todos os anos para ler todas as mensagens secretas enviadas por cerca de 120 países.
A história começa com a Crypto AG, uma companhia suíça que iniciou suas atividades desenvolvendo máquinas para o exército dos Estados Unidos que permitiam uma comunicação totalmente criptografada entre as tropas na Europa e o comando de guerra em Washington D.C. A partir daí, o relacionamento entre a companhia e os Estados Unidos sempre foi bastante estreito, e durante o período da Guerra Fria a CIA fez uma parceria com a BND (o braço de espionagem da Alemanha Ocidental) para que todos os aparelhos de criptografia vendidos pela Crypto AG tivessem uma “backdoor” que daria tanto aos Estados Unidos quanto à Alemanha total acesso às mensagens enviadas por esses dispositivos.
Além disso, ambos os países utilizaram o crédito que tinham na comunidade internacional para vender a ideia de que a Crypto AG era a responsável por criar as melhores barreiras criptográficas do mundo, o que fez com que mais de uma centena de países se tornassem clientes da empresa suíça — e, assim, fizesse com que todas as suas comunicações secretas ficassem completamente expostas à CIA e ao BND. E, como ambas as agências eram sócias majoritárias secretas da Crypto AG, o lucro obtido pela companhia pela venda de equipamentos era dividido entre ambas as agências de espionagem, e revertido para outras operações. De acordo com o próprio relatório da CIA, esse esquema era o golpe de inteligência perfeito, pois a agência não apenas tinha o acesso irrestrito às comunicações internacionais de diversos países do mundo (incluindo alguns na lista de inimigos dos Estados Unidos), como ainda era paga para isso.
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Essa operação, que inicialmente foi chamada pela CIA de “Thesaurus”, mas que anos depois teve o nome mudado para “Rubicon”, permitiu que a CIA tivesse o acesso irrestrito a todas as mensagens secretas enviadas por cerca de 120 países durante praticamente toda as décadas de 1970, 1980 e 1990, e foi desse monitoramento que o governo dos Estados Unidos obteve informações sobre a crise dos reféns americanos no Irã em 1979, descobriu que foram oficiais do exército da Líbia os responsáveis pelo bombardeio de uma discoteca de Berlim em 1986, e passou para a Inglaterra informações sobre toda a movimentação do exército argentino durante a Guerra das Malvinas.
O programa só não foi um sucesso maior porque tanto a China quanto a União Soviética se recusaram a fechar contratos com a Crypto AG, desconfiadas das relações que a empresa tinha com o governo dos Estados Unidos desde a Segunda Guerra. Mas, mesmo assim, os espiões americanos conseguiram usar o programa para obter uma grande gama de informações sobre o que acontecia nesses países através de mensagens enviadas por aliados deles, que muitas vezes não acatavam à sugestão e acabavam contratando a Crypto por conta de sua comprovada qualidade nas encriptações.
Claro, toda essa operação não ocorreu sem a desconfiança internacional, e durante todo esse período a operação quase foi exposta em mais de uma oportunidade. No começo da década de 1990 o risco era tão grande que a BND resolveu sair do esquema, o que fez com que toda a operação da Crypto ficasse nas mãos somente da CIA. O esquema continuou funcionando bem até os anos 2000, quando o advento dos smartphones acabou tornando a empresa praticamente irrelevante, pois qualquer pessoa poderia ter um criptografia de qualidade nos próprios celulares pessoais com os apps de mensagens corretos, não sendo mais necessário efetuar a compra de um aparelho apenas para esse tipo de comunicação.
A marca foi vendida em 2018 para Andreas Linde, goleiro reserva da seleção de futebol da Suécia e que atualmente joga pelo Molde (time norueguês da cidade de mesmo nome) e, de acordo com um comunicado oficial em seu site, a atual empresa não possui qualquer tipo de ligação com a que durante décadas foi comandada pela CIA (a nova companhia manteve a marca que já era conhecida no mercado de criptografia, mas mudou todo o corpo de diretores e gerentes) e alega não ter sido avisada sobre qualquer conexão com a CIA e o BND durante o período de aquisição.
Além de espionar durante décadas as mensagens secretas de outros países, a Operação Rubicon foi também o berço da NSA, a agência de segurança digital que, em 2013, foi exposta pelo ex-analista Edward Snowden por tentar fazer o mesmo tipo de monitoramento de mensagens secretas do mundo todo através da internet. Desde que Snowden expôs toda a operação, o governo dos Estados Unidos publicamente extinguiu a NSA mas, de acordo com o que diversas fontes anônimas já revelaram para a imprensa ao longo dos anos, ela continua operando com outro nome sob a tutela da CIA — e deixa claro que os Estados Unidos estão prontos para condenar qualquer pessoa pega utilizando a internet para compartilhar segredos de estado (como o caso da filha do presidente da Huawei) porque eles acreditam que essa é uma prática exclusiva das agências de inteligência do país.
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Fonte: Canaltech