No começo do segundo semestre de 2019, um assunto tomou conta das redes sociais: saúde mental e autoestima. Isso porque uma das principais redes, Instagram, resolveu ocultar o número de curtidas nas fotos, ação que claramente teve impacto tanto nos influenciadores e nas empresas que utilizavam a rede para impulsionar campanhas, mas sobretudo nos usuários em geral.
Na época, a ideia basicamente foi esconder a quantidade de curtidas conquistadas pelas fotos e, a partir dessas novas diretrizes, a rede social permitir que apenas o dono da publicação tenha conhecimento sobre os likes, e os demais ainda conseguem ver o avatar e o usuário de cada pessoa que curtiu, mas sem a quantidade exata das curtidas. A ideia, que em julho foi apresentada ao mundo inteiro como teste, em novembro passou a ser realidade: algumas pessoas dos Estados Unidos também começaram a perceber o fim dos likes, e embora os testes ainda não estejam finalizados, a rede chegou a mandar um aviso oficial. A empresa revelou, na ocasião, que o objetivo com a medida é não deixar que os números importem mais do que o conteúdo.
Segundo Lucas Patrício, CEO da GMD, agência de marketing digital especialista em conteúdo e estratégia, é perceptível o impacto positivo dos likes ocultos nos usuários do Instagram, já que, para ele, essa ação permite “voltar a atenção para o conteúdo e não somente para validações subjetivas criadas por meio das interações”. O CEO destaca: “Quando o comportamento para criação de conteúdo leva em consideração somente essa aprovação, o tipo de conteúdo tende a seguir uma pequena variedade de fórmulas, resultando em postagens parecidas entre si ou sem inspiração”.
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Além disso, Lucas também enxerga, nos likes ocultos, uma oportunidade para que todos possam se destacar, independente da massa de seguidores: “Uma vez que o conteúdo tende a ser o mais importante novamente, mesmo com poucos seguidores, o usuário pode fazer um conteúdo criativo que poderá ser percebido como tal na “linha do tempo”, não sendo filtrado e julgado imediatamente por quantas curtidas ele teve”, aponta. Essa situação do Instagram inevitavelmente levantou um debate complexo: como as redes sociais afetam, de fato, a autoestima das pessoas?
Tecnologia x Autoestima
Em entrevista ao Canaltech, o psicólogo clínico Rodrigo Casemiro esclarece que a autoestima pode ser definida como o valor que a pessoa dá a si mesma, e este valor recebe influências externas e internas. As fontes externas são resultado de como os outros nos vê, nos avalia, nos percebe. E as internas são diretamente resultado de como nos avaliamos e nos percebemos.
Segundo o profissional, a tecnologia pode tanto beneficiar quanto prejudicar a autoestima. A tecnologia permite a expressão, a comunicação, a manifestação de si, e pode alcançar todos os continentes. Um youtuber, por exemplo, pode ser assistido em sua região ou do outro lado do mundo. A autoestima pode se fortalecer ou ruir de acordo como a pessoa é recebida no mundo virtual, que é real também, pois muitas vezes a tecnologia nos conecta com quem está exatamente ao nosso lado, no mesmo ambiente. A dosagem do uso da tecnologia também pode ter efeitos devastadores. O software ou aplicativo que foi criado para fazer ajustes em fotos, por exemplo, pode criar uma dependência cada vez maior de filtros e correções do que se julga imperfeito, tudo para criar um estado ilusório de perfeição e bem-estar.
O padrão de beleza estabelecido pela mídia e seus consumidores, os rachas políticos, o bullying, as chantagens, vinganças, fotos e vídeos sem consentimento, memes, compartilhamentos, comentários, tudo isso e muito mais pode colocar a pessoa numa situação de exposição, chacota, e até linchamento virtual, de acordo com o psicólogo. De repente, aquela pessoa, muitas vezes anônima, vira o foco de acusações, deboches e agressões. “Boatos e fofocas podem destruir a estrutura psíquica de uma pessoa, e infelizmente, frequentemente temos notícias de suicídios ou assassinatos em detrimento de algo que foi exposto na internet”, afirma.
Rodrigo também conta que existem grupos que se incumbem de destruir a reputação de uma pessoa, com calúnias, fake news, distorções e manipulações, e enfatiza também as fotografias e vídeos idílicos, fantasiosos, montados para transparecer sucesso profissional, corpos ditos perfeitos, um estado pleno de superação, conquista e felicidade.
“A Pedra do Telégrafo no Rio de Janeiro ilustra bem esta situação: as fotos são belas, no fundo a bela paisagem carioca. A pessoa está em pose de meditação e escreve “paz” na legenda. Outra pessoa, no escritório, sofrendo assédio moral do chefe, visualiza essa foto e se sente fracassada. Mas a foto por si é mentirosa: a fila para tirar uma foto na tal pedra ultrapassa três horas de espera, e você consegue no máximo ficar dois minutos lá: ou seja, não é possível relaxar e meditar. A exposição que muitos buscam nas redes é a perfeição, a plenitude, e a meritocracia é algo velado por trás das imagens e legendas. Quando a pessoa comum, a que segue tais influencers, não consegue trazer isso para sua vida, a frustração surge e a autoestima rui com as autodepreciações”, conta o psicólogo.
A autoestima dos jovens
Em março deste ano, no We Live Security, da ESET, uma companhia de segurança da informação, foi lançada uma análise de como perfis no Instagram podem afetar a autoestima dos jovens. Na ocasião, Javier Lombardi; Mentor educacional da Argentina Cibersegura aponta que a superexposição que os jovens enfrentam hoje é grande, e aponta a frequente publicação de vídeos e fotos que retratam situações desconfortáveis que ocorrem em reuniões, passeios e festas, como um jovem caído no chão bêbado, e esse conteúdo geralmente é feito e divulgado pelo melhor amigo da pessoa retratada.
O argentino destaca que para muitos, a publicação e o registro dessas imagens denota uma falta de respeito pelo outro e, embora seja verdade que, em alguns casos, são os próprios jovens que se expõem voluntariamente a essa situação, na maioria dos casos acabam sendo vítimas de circunstâncias fora de seu controle, e os atos reservados à esfera privada são expostos publicamente, gerando um impacto prejudicial na reputação e impressão digital, o que pode ter consequências negativas não só na autoestima como de vários tipos, onde um dos piores cenários pode ser a rejeição em uma universidade ou entrevista de emprego, por exemplo.
Para Rodrigo Casemiro, adolescentes e pessoas mais jovens têm a autoestima sujeita a ser mais afetada pela tecnologia, pois a personalidade e a identidade estão em formação e a autoestima faz parte deste combo, dependendo diretamente do referencial que a pessoa recebe do mundo, e se ela é hostilizada ou ridicularizada nas redes sociais, certamente terá baixa autoestima, pois assume como verdade o que ouve sobre si, uma vez que ainda não conhece a fundo suas potencialidades, e desconhece, muitas vezes, que os outros são maldosos.
O psicólogo acrescenta que o referencial interno sobre quem somos precisa de um balizador externo. E se esse referencial externo é depreciador, e não há referência interna sobre algo, a pessoa tomará o referencial externo como real. Uma pena, e isso tem efeitos devastadores por anos a fio, e é algo que é doloroso, mas necessário de ser trabalhado quando surge dentro das queixas na psicoterapia.
Desconectar
Por sua vez, a Kaspersky trouxe à tona um estudo que aponta que proteger sua privacidade online pode ser bom para sua saúde mental, por mais tempo para socializar offline e distância dos anúncios que distraem. Na ocasião, a empresa destaca que as plataformas de redes sociais não podem servir como substitutas para a comunicação interpessoal. Alex Perekalin, autor da análise, afirma que a solução é ajustar as configurações de privacidade das plataformas de redes sociais para que sejam tão restritas quanto possível, minimizar meu tempo de uso e não tratá-las como uma forma de comunicação com amigos e familiares.
“Eu deletei o Instagram e o Swarm, que constantemente me deixavam infeliz ou com inveja de outras pessoas. Depois de aplicar essas mudanças e gastar significativamente menos tempo pelos feeds, percebi que me senti menos infeliz e com mais tempo para realmente ver meus amigos, o que faz com que eu me sinta ainda melhor”, conta Perekalin.
Rodrigo Casemiro finaliza dizendo que o melhor amigo da autoestima é o autoconhecimento, pois quando se recebe uma crítica, preciso entender se ela é real ou não, e se for, refletir como é possível melhorar, às vezes com auxílio profissional. Porém, também é importante saber que também é possível receber críticas distorcidas, ou ainda por pura maldade. “O autoconhecimento fortalece nossa personalidade, nossa maneira de enfrentar as adversidades. E se eu consigo trabalhar as dificuldades, me sinto mais forte e seguro, e isto aumenta a autoestima”, conclui o psicólogo.
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Fonte: Canaltech