Ciência & Tecnologia

'Zona do Silêncio': A vida sem celulares nos EUA




Foto: Emile Holba

As pessoas que dirigem para a região a oeste da capital americana, Washington, para as montanhas Allegheny, chegam a uma grande área sem sinal de telefonia celular.

Esta é a Zona Nacional de Rádio Silencioso, com 34 mil quilômetros quadrados sem sinal de rádio. A reportagem da BBC foi descobrir o que é este lugar e quanto tempo ainda poderá resistir.

Quando o carro chega às montanhas Allegheny, o rádio para de tocar e tudo que se ouve é estática. Nos celulares a situação é parecida, não há sinal.

Logo à frente está o maior objeto móvel de todo o planeta baseado no chão, o telescópio Robert C Byrd Green Bank (ou GBT): mais alto que a Estátua da Liberdade, de Nova York, e com uma superfície de mais de 9 mil metros.

O telescópio gigantesco precisa de silêncio de rádio e paz nas ondas elétricas para operar.

Foto: Emile Holba

A Zona do Silêncio, estabelecida em 1958, protege o telescópio de interferências e também protege o maior posto de escuta da Agência Nacional de Segurança, que fica nas proximidades.

O GBT é muito sensível e pode detectar ondas de rádio emitidas milisegundos depois do nascimento do universo. Mas, quando um sinal viajou tanto, vindo de um passado tão distante, pode facilmente encobrir o sinal.

“O telescópio tem a sensibilidade equivalente a um bilionésimo de bilionésimo de milionésimo de um watt… a energia liberada quando um único floco de neve cai no chão. Qualquer coisa feita pelo homem iria encobrir o sinal”, disse Mike Holstine, gerente do local onde fica o telescópio.

E por isso a Zona do Silêncio é necessária e seus moradores levam uma vida muito diferente de outros americanos.

Eles não têm telefones celuares, não há monitores de bebês via rádio, fornos de microondas ou campainhas sem fio.

Foto: Emile Holba

“Qualquer tipo de dispositivo elétrico pode causar interferência”, afirmou Chuck Niday, que patrulha o Condado Pocahontas, onde moram 8 mil pessoas, no centro da Zona de Silêncio. Ele procura constantemente interferências de rádio-frequência.

“Uma coisa que lembro, que pode causar muitos problemas, é um aspirador de pó – o tipo do motor que eles usam gera muitas faíscas”, disse.

Quem for flagrado usando um aspirador com defeito receberá um pedido educado para interromper a limpeza.

“Não temos poder de polícia, isto é feito pela agência federal conhecida como Comissão Federal de Comunicações. Tudo o que podemos fazer é pedir para desligarem o dispositivo e 99% das vezes, eles o fazem”, afirmou.

Em uma ocasião, os funcionários do observatório compraram um novo aquecedor para um fazendeiro local quando ficaram sabendo que o antigo vazava ondas de rádio.

Direção do vento

Em uma área de cerca de 1,6 quilômetro em volta do telescópio GBT os motores movidos a gasolina não são permitidos por causa das faíscas que podem resultar. E em uma pista de pouso próxima, não se pode usar nenhum tipo de aparelho eletrônico.

“Temos uma biruta e um tetraedro para que eles saibam a direção do vento”, disse Holstine.

Existem algumas exceções a estas regras: serviços de emergência podem usar uma frequência específica. E os funcionários do GBT têm um forno de microondas onde podem aquecer o almoço, mas o aparelho é mantido em um compartimento especial para evitar vazamentos de ondas de rádio.

E, quando não está fazendo a patrulha, Niday e a esposa apresentam um programa de jazz na Rádio das Montanhas Allegheny. Ele conseguiu bloquear a antena para não afetar o telescópio, uma operação complexa que não seria possível para telefones celulares.

Banda larga

Enquanto o resto do país está constantemente plugado – checando e-mails e postando atualizações em redes sociais – a ausência de tecnologia móvel na Zona do Silêncio leva a uma mentalidade diferente.

“Temos banda larga em casa. Podemos acessar a internet do mesmo jeito que todo mundo, a diferença é que, quando saio de minha mesa, a internet não me segue”, disse a diretora local do GBT Karen O’Neill.

“Quando assisto a um jogo de futebol, cada pai no campo está assistindo às crianças jogando futebol, ninguém está olhando o telefone celular, ninguém está se preocupando com isso.”

E, enquanto estou em algum lugar, não sinto mais a compulsão constante de olhar para o meu celular, não é como estar em um lugar remoto com uma conexão lenta ou cara, é uma forma de vida completamente diferente.

Nesta área tranquila dos Estados Unidos há um espírito de comunidade intenso, as conversas não são interrompidas por ligações de telefone celular, nem por notificações ou atualizações de status.

“Você não vê aquela briga dos pais com os filhos, na qual eles falam ‘você precisa largar este telefone’, e os filhos respondem ‘tenho mesmo?’ e eles estão olhando para o telefone discretamente embaixo da mesa e fazendo de tudo para mandar mensagens para os amigos”, disse O’Neill.

Futuro

O futuro da Zona do Silêncio no século 21 depende, até certo ponto, do futuro do GBT. Para mantê-lo, o gasto anual é de US$ 14,5 milhões (cerca de R$ 43 milhões) e a Fundação Nacional de Ciência, que financia o telescópio, avisou que poderá diminuir sua contribuição em 2017.

Foto: Emile Holba

Ao mesmo tempo em que os funcionários do telescópio buscam sinais do nascimento do universo, eles também buscam mais verbas.

“Eles querem usar o dinheiro para construir novos telescópios no Chile. Estamos tentando encontrar projetos alternativos que vão trazer dinheiro e, neste momento, o mais promissor é o rastreamento de satélites”, disse Holstine.

E não são apenas os 200 funcionários que mantêm e operam o GBT, empregados em outros setores como limpeza, alimentação, infraestrutura e hospedagem para cientistas visitantes, também podem estar com o futuro ameaçado.

Refugiados

Existem problemas na região: é difícil encontrar um telefone público funcionando e os mais jovens estão ansiosos para usar um smartphone com internet rápida.

Foto: Emile Holba

A internet fixa existente é muito lenta, uma velocidade semelhante à usada 15 anos atrás. E as companhias telefônicas não querem investir em cabos melhores para uma comunidade tão pequena.

No entanto, tem quem goste: há um grupo de “refugiados eletro-sensíveis” que se mudou para o lugar.

“Não podemos ficar onde estão as multidões, temos que ficar longe das pessoas pois a maioria delas carrega celulares e isto nos faz mal”, disse Diane Schou, que afirma ser uma “leprosa tecnológica”.

Ela morava em uma fazenda em Iowa mas, depois da instalação de uma antena de celular nas proximidades, ela ficou doente.

“Comecei a perder cabelo – pensei que estava ficando velha. Tive irritação na pele, pensei que era algo que tinha comido. Minha visão mudou, pensei que fosse velhice… Minha pele ficou enrugada (…). Tive uma dor de cabeça e então fui ao médico, pois quase nunca tinha dores de cabeça.”

Diane notava que as dores voltavam cada vez que ela chegava em casa. “Era como se alguém acertasse minha cabeça com uma marreta.”

Mas, desde que se mudou para Green Bank, a saúde melhorou e ela conhece outras 57 pessoas que encontraram alívio para estes sintomas no lugar.

Rachel Taylor, assistente do médico local, confirma que observou um aumento no número de pessoas com problemas parecidos nos últimos anos. Ela disse que ainda não viu nenhum estudo provando o problema, mas está convencida de que “algo está acontecendo”.

O que quer que aconteça com o telescópio, ainda há Sugar Grove, o posto de vigilância da Agência Nacional de Segurança, no norte.

Informações sugerem que parte das instalações pode fechar ainda em 2015,mas Holstine espera que a maior parte da base continue funcionando.

Se o telescópio for desativado, Sugar Grove assumirá o patrulhamento da área, mas não será tão severo quanto à presença de ondas de rádio na região de Green Bank.

Foto: Emile Holba

Alguns acreditam que isso possa abrir o caminho para que dispositivos sem fio não oficiais se infiltrem na região e mudem a “Zona do Silêncio”.

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